Quando FIFA divulgou, na segunda‑feira, 17 de março de 2025, o Relatório de Benchmarking do Futebol Feminino, o impacto foi imediato: a disparidade salarial ficou escancarada em números que chocam até os mais céticos.
O estudo, analisado também por Julian Jappert, diretor do Think Tank Sport et Citoyenneté, mostra que a receita média anual de uma jogadora profissional gira em torno de US$ 10.900 – e isso, apesar de alguns clubes de elite impulsionarem a média.
Nas categorias de clubes, o relatório classifica 41 equipes de 16 países como nível 1, pagando em média US$ 24.030 por atleta. Dentro desse grupo, 16 clubes conseguem superar os US$ 50.000 anuais, e o topo chega a US$ 120.000 – ainda modesto frente aos salários masculinos. Já nos níveis 2 e 3, a realidade desaba: US$ 4.361 e US$ 2.805, respectivamente.
Contexto: crescimento e ainda assim desigualdade
O salto de visibilidade nos últimos anos é indiscutível. A Copa do Mundo Feminina de 2023Austrália e Nova Zelândia vendeu mais de 1 bilhão de dólares em direitos de transmissão, ultrapassou números de audiência anteriores e trouxe, pela primeira vez, uma premiação recorde de US$ 110 milhões.
Mas o contraste com a Copa do Mundo Masculina de 2022Catar ainda é gritante. Enquanto as seleções femininas dividiram US$ 49 milhões – garantindo, no mínimo, US$ 30.000 por atleta – os homens dividiram cerca de 400 milhões de euros.
Detalhes do relatório: os números que falam
- Salário médio anual global: US$ 10.900.
- Nível 1 (41 clubes): US$ 24.030; topo em US$ 120.000.
- Nível 2: US$ 4.361.
- Nível 3: US$ 2.805.
- 74% dos treinadores principais são homens.
Esses dados revelam que apenas as atletas que chegam aos clubes de elite conseguem viver exclusivamente do futebol. “As jogadoras precisam alcançar um certo patamar para garantir um salário que possibilite viver exclusivamente do esporte”, destaca o relatório.
Comparação com o futebol masculino
Em 2022, a seleção masculina recebeu US$ 42 milhões, quase o dobro da quantia total paga às mulheres em 2023. Quando comparamos dólar a dólar, as atletas femininas ganharam, em média, 0,25 centavo para cada centavo dos homens. Ainda que a proporção tenha subido de menos de 0,08 centavo em 2019, o salto ainda é pequeno.
Vale lembrar que a FIFA só começou a remunerar equipes femininas em 2007, com um prêmio de US$ 6 milhões. Um ano antes, a edição masculina de 2006 já distribuía US$ 370 milhões. Esse histórico mostra a larga diferença de tratamento ao longo das décadas.
Reações de especialistas e federações
Julian Jappert sintetiza a situação: “Temos enormes desigualdades salariais. Se vos disser que o salário médio de uma jogadora da Women’s National Basketball Association é 110 vezes inferior ao de um colega da NBA, dá‑lhe uma ideia da magnitude.”
Nos EUA, a Seleção Feminina de Futebol (USWNT) conseguiu, após longas negociações, um acordo coletivo que garante igualdade de remuneração entre atletas masculinos e femininos da equipe nacional. O caso virou referência para outras federações, mas ainda há muita resistência no continente europeu e na América Latina.
Impactos para as jogadoras e o futuro do esporte
Para quem ganha menos de US$ 3.000 por ano, o futebol não é mais carreira, mas um “bico” que precisa ser complementado com trabalhos extras. Muitas atletas dividem treinos com empregos de meio período, o que compromete a preparação e, consequentemente, o nível competitivo.
O relatório aponta que 74% dos treinadores principais ainda são homens, indicando pouca representatividade feminina nas decisões técnicas. Essa falta de modelos pode desestimular novas gerações a buscar cargos de liderança.
Entretanto, há sinais de mudança. A UEFA prometeu, em 2024, aumentar o teto salarial das ligas femininas europeias em 30% até 2027. Já a CONMEBOL lançou um fundo de US$ 12 milhões para apoiar clubes que desejam profissionalizar seus programas femininos.
Próximos passos e o que observar
Os analistas concordam que a pressão pública, aliada a acordos coletivos como o da USWNT, pode acelerar a convergência salarial. O próximo grande teste será a Copa do Mundo Feminina de 2027Países Baixos e Bélgica. Se a FIFA elevar ainda mais o patamar das premiações, a diferença percentual pode reduzir significativamente.
Enquanto isso, a recomendação de especialistas é clara: clubes e federações devem criar políticas de salário mínimo garantido, investir em formação de treinadoras e garantir transparência nos contratos.
Perguntas Frequentes
Como a disparidade salarial afeta as jogadoras brasileiras?
No Brasil, a maioria das atletas de clubes de nível 2 ou 3 recebe menos de US$ 4.000 por ano, o que obriga muitas a combinar o futebol com empregos formais ou informais. Isso reduz o tempo de treino, impacta a performance na liga nacional e limita a competitividade internacional da seleção feminina.
Qual foi o principal avanço da FIFA nas premiações femininas?
Em 2023, a FIFA destinou US$ 49 milhões diretamente às jogadoras da Copa do Mundo Feminina, garantindo pelo menos US$ 30.000 a cada atleta e US$ 270.000 ao campeão. Foi um aumento de 300% em relação ao ciclo anterior, ainda que o valor total continue muito abaixo do masculino.
Quais federações já adotaram políticas de igualdade salarial?
Além dos Estados Unidos, a Suécia e a Noruega têm acordos que equiparam salários e bônus entre equipes masculinas e femininas. Na Europa, a França anunciou um teto mínimo de US$ 15.000 mensais para as principais ligas femininas a partir de 2025.
Qual a perspectiva para a próxima Copa do Mundo Feminina?
A edição de 2027, prevista para Holanda e Bélgica, deverá ter um fundo de premiação ainda maior, impulsionado por novos contratos de mídia. Se a tendência de crescimento mantiver, a relação de renda por dólar entre homens e mulheres pode chegar a 0,5, aproximando‑se da paridade.
O que pode ser feito para aumentar a presença feminina na diretoria técnica?
Programas de mentoria, requisitos de cotas em licenças de técnico e incentivos financeiros para clubes que contratem treinadoras são medidas apontadas por especialistas como essenciais para mudar o panorama de 74% de treinadores homens.
João Paulo Jota
outubro 7, 2025 AT 23:09Claro, a FIFA finalmente percebeu que pagar pouco pra mulher é o jeito mais barato de economizar.
Marty Sauro
outubro 17, 2025 AT 05:23Olha, ainda bem que alguém trouxe esses números à luz. É como abrir um baú cheio de moedas de cobre e esperar que alguém pague o aluguel. A gente tem que celebrar cada centavo extra que chega, mas sem perder a cabeça. No fim das contas, a luta continua, né?
Aline de Vries
outubro 26, 2025 AT 11:36É, mas a verdade é que tem muita jogadora que ainda mora de bico. Enquanto a gente vibra com o mundial, tem quem tenha que escolher entre treinar ou pegar trabalho extra. Isso mina a qualidade do jogo e dá uma desculpa pro barato. A gente tem que levantar a voz, porque só gritando nada muda.
Wellington silva
novembro 4, 2025 AT 17:49O relatório da FIFA, ao mapear a disparidade, revela não só números, mas um sintoma estrutural do esporte.
Primeiro, a diferença entre os níveis 1, 2 e 3 demonstra que a maioria das atletas opera em condições de semi‑profissionalismo.
Segundo, a concentração de recursos nos poucos clubes de elite cria um gargalo de desenvolvimento talentoso.
Terceiro, a falta de políticas de salário mínimo agrava a necessidade de trabalhar fora.
Quarto, a discrepância de 0,25 centavo para cada centavo masculino demonstra um viés histórico arraigado.
Quinto, o próprio modelo de distribuição de prêmios reforça a hierarquia de gênero.
Sexto, a escassez de treinadoras nas principais equipes impede a criação de modelos de referência.
Sétimo, a ausência de cotas para mulheres em cargos técnicos perpetua a cultura do masculino dominante.
Oitavo, a pressão das federações europeias tem sido mais efetiva que na América Latina.
Nono, o investimento da UEFA de 30% até 2027 pode servir de catalisador para mudanças globais.
Décimo, a CONMEBOL já mostra iniciativa com fundo de US$12 milhões, mas ainda é insuficiente.
Décimo‑primeiro, as negociações coletivas como a da USWNT são exemplos a serem seguidos.
Décimo‑segundo, a transparência nos contratos poderia evitar disparidades ocultas.
Décimo‑terceiro, a mídia tem papel crucial ao evidenciar esses dados ao público geral.
Décimo‑quarto, a base de fãs precisa ser consciente e cobrar igualdade.
Décimo‑quinto, sem mudança sustentável, o fosso salarial continuará crescendo.